Em 12 de outubro de 1845, o Imperador Dom Pedro II aportou em Desterro acompanhado da Imperatriz Teresa Cristina e de uma comitiva para uma visita que durou quatro semanas. Era a primeira viagem às províncias do Sul e tinha o objetivo de consolidar a presença do Estado Imperial após o fim da Revolução Farroupilha. O Imperador tinha 20 anos na época, e havia sido entronado cinco anos antes. Sua comitiva foi recebida com pompa e salvas; e a cidade estava muito movimentada, com pessoas de todas as classes sociais à sua espera. A Câmara de Desterro e a Presidência da Província de Santa Catarina tinham se assegurado de que a cidade estivesse limpa e as casas caiadas. O Palácio do Governo havia sido decorado com nova mobília e tapeçaria. No Largo da Igreja Matriz, dois arcos e duas colunas comemorativas em estilo clássico foram erigidos, e a Guarda Nacional convocada para as cerimônias. Houve cortejo, missa, beija-mão, desfile da tropa e música. Havia bandeiras fincadas em mastros pelo Largo e colchas de damasco de seda penduradas nas sacadas. O pintor Vicente Pietro acompanhou a comitiva imperial nesta viagem e deixou um registro daquele dia.
No dia seguinte, a multidão se dirigiu novamente para o Largo. As sacadas dos sobrados ficaram repletas de senhoras. Houve procissão das autoridades eclesiásticas e das irmandades. Depois de cumprida a programação oficial, Sua Majestade deu uma volta a pé para conhecer a cidade. Durante este passeio, é provável que tenha encontrado indivíduos cativos e libertos, tanto africanos quanto crioulos – como eram chamados aqueles já nascidos no Brasil. Um em cada quatro habitantes de Desterro era tido como escravo, propriedade de outra pessoa.
Quem desembarcava no trapiche municipal deparava-se com um amplo descampado onde havia a Igreja Matriz no topo de uma elevação à frente, o prédio da Câmara e Cadeia à direita, a Casa ou Palácio de Governo àesquerda, além de outros edifícios públicos, comerciais e residenciais.Desse Largo saíam as principais ruas comerciais. Na direção do Morro do Antão, à direita,região de ocupação mais antiga, havia a Rua Augusta, onde ficavam depósitos dos produtos para exportação e as lojas de atacado. Na direção do Estreito, àesquerda, região mais nova, havia a Rua do Príncipe, onde ficavam as lojas devarejo.Na praia e no próprio Largo a população encontrava gêneros alimentícios à venda em barraquinhas ou mostruários temporários, como tabuleiros, panos ouesteiras estendidos no chão.
O Imperador não presenciou essa venda, pois as barraquinhas foram removidas para a região do Forte de Santa Bárbara durante sua visita. Entretanto,talvez tenha ouvido falar do projeto de construção de um mercado na cidade.Ele deve ter reconhecido que, como em outras cidades portuárias, as atividades de carga e descarga dos navios e o comércio ambulante eram dominados por trabalhadores de origem africana. A produção de alimentos – feijão, milho, açúcar e principalmente farinha de mandioca– era a principal atividade econômicada Ilha e do litoral da Provínciade Santa Catarina, e tais mercadorias chegavam em pequenos barcos e canoas, sendo reembarcadas no porto de Desterro para outras províncias e para a região do Rio da Prata. O mesmo porto recebia mercadorias vindas do resto do País e do exterior, e redistribuía para a região. Assim, as atividades do porto de Desterro integravam as freguesias da Ilha e as localidades do litoral ao resto do Atlântico, e os trabalhadores e trabalhadoras de origem africana – roceiros, pequenoscomerciantes, carregadores, estivadores e marinheiros – eram parte fundamental dessa economia.