Tropos e Fantasias
Jamais a província de Santa Catarina, mesmo o país inteiro, tem atingido a tão alta e esplêndida florescência literária, como a em que presentemente se estancia.
Hoje, porém, a hora subida em que já vai toda a evolução histórica das literaturas modernas, em que toda a luz fecundante do século, estua, flameja triunfante, onipotentemente na ampla, suprema e quase sobrehumana intelectualidade de Emilio Zola, a aparição inesperada, eloquente em um país sem literatura como o Brasil, e, ainda mais, em Santa Catarina, de dois literatos poderosamente au courant dos admiráveis progressos das letras universais, constitui, por si só, um fenômeno bastantemente prodigioso.
Discípulos incorruptíveis, intransigentes de uma escola superior, e que apesar de uma guerra desmensurada e incrível, tem-se acentuado notavelmente, em todo o mundo pensante – a Escola Naturalista, os valentes autores dos Tropos e Fantasias, Virgílio Várzea e Cruz e Sousa, apresentam-nos um livro, não de todo impecável, nem extremamente correto, mas sim cheio de uma nova e vastíssima orientação filosófico-literário, de que forma o equilibrante e iluminantíssimo centro, a pujante e colossal individualidade de Zolav-vo cérebro pacientemente organizado por uma série infinda e incalculável de gerações, na sua ascensão para a perfectibilidade.
Educados suficientemente, rijamente, nasproféticas teorias de Darwin, Herbert Spencer, Harttmann, Haeckel e outros; solidamente arregimentados na vasta e incomparável lei da evolução literária, posta em linha de combate pelo eminente filósofo português Domingos Tarrezo, eles, apertados na dupla armadura de filósofo literatos, vão, aprumados no seu valor, indiferentes a aprovação oureprovação pública, em direitura, linha reta ao seu fim, como gigantes certos da sua força.
Partindo da eterna e indestrutível teoria – Evolucionismo de Darwin, o grande filósofo Domingos Tarrozo, no brilhantíssimo prólogo de seu elevado e profundo livro – A Poesia Filosófica –, mostrou exuberantemente, com a impetuosidade genial do seu talento meridional, a poderosa lei que regula e faz lampejar as diferentes manifestações a psiquismo humano na literatura natural.
Assim, esses dois moços de que me ocupo, aproveitando de modo digno e saliente, essa magnífica doutrina do grande pensador de Ponte do Lima, conseguiram dar à nossa literatura uma face toda nova, original, evolucionista.
Mas, talvez que essa obra, não adquira o sucesso de que é merecedora, em virtude da Escola Naturalista achar-se aindana sua fase inaugural em todo o mundo, e muito principalmente o Brasil onde o romantismo de 1830 e o metafisismo das ideias filosóficas do século passado, conseguiram enraizar-se nos membros tenros e infantis de uma literatura que engatinhava.
Entretanto, esse livro permanecerá sempre comouma força, uma feliz acentuação.
HORÁCIO DE CARVALHO
Este documento é uma crônica publicada no período de lançamento do livro Tropos e Fantasias por Horácio de Carvalho, que Virgílio Várzea depois indicaria como amigo de seu grupo. Carvalho põe ênfase na crítica à produção contemporânea, deixando visível o momento em que se encontra a literatura em Santa Catarina. Sendo esse um período de florescência literária, vemos nesta crônica o combate entre os literatos já estabelecidos por todo o Brasil, tais como Luiz Delfino e Olavo Bilac, cujas produções românticas e parnasianas suscitavam reações da escola naturalista, à qual Virgílio Várzea e Cruz e Souza se filiavam à época. Vemos em debate a chegada desses novos estilos literários e também das novas influências à literatura brasileira vindas da biologia e filosofia, trazendo à tona uma disputa que colocou em cada um dos lados "os antigos" e "os modernos".
CARVALHO, Horácio de. Trópos e Phantasias. Jornal do Commercio, Desterro, p. 39, 08/1885, anno VI, n. 175. Secção Livre. Biblioteca Pública de Santa Catarina.