O MOLEQUE
Desterro, 19 de Outubro de 1885.
Abolicionismo
A escravatura, escreveu o Correio Braziliense em Londres, é um mal para o indivíduo que sofre e para o estado onde ela se admite, lemos no Brasil e a Inglaterra ou o Tráfico dos Africanos.
No intuito de esboroar, derruir a montanha negra da escravidão no Brasil, ergueram-se em toda a parte apóstolos decididos, patriotas sinceros que pregam o avançamento da luz redemtora, isto é, a abolição completa.
O Ceará que foi o berço da literatura por que deu Alencar, quis também ser a cabeça libertadora da raça escrava deste pais, e, a golpes de direito e a vergastadas de clarões, conseguiu este Aleluia supremo:
Não há mais escravo no Ceará.
Não obstante o desenvolvimento gradual, acessivo da grande ideia da democracia [...]ciocrata que prepara os homens, fa-los cidadãos para o trabalho moderno, educado por uma filosofia mais Spenceriana, mais na razão do século evolucionador, aparece a lei do Sr. Saraiva, desmentindo todo o brio patriótico, toda a dignidade cívica da nação do Sr. Pedro Segundo.
Uma lei de fancaria, essa; uma lei que escraviza os escravos e documenta com a morte, a liberdade dos mais velhos.
Uma lei que faria rir o próprio Voltaire numa daquelas suas explosões tremendas de ironia fantástica e diabólica.
Entretando para organizar por assim dizer, mais exata e mais verdadeira a ideia abolicionista nesta terra de Oliveira Paiva, O Moleque, que sempre alargou todos os seus sentimentos altruístas, pela causa da humanidade servil, que é a causa do futuro, começa a publicar hoje alguns fragmentos de uma brilhante conferência Abolicionista do seu pujantíssimoo redator, sobre esse assumto, feita na sala da redação da Gazeta da Tarde da Bahia.
Concluída que seja esta, publicará um discurso do mesmo, pronunciado no Teatro S. João, por ocasião da libertação total do luminoso Ceará e assim, sucessivamente, O Moleque prestará o seu humanitário auxílio para movimentar de certa forma mais inteira, mais entusiasta, a abolição entre nós.
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« Estamos em face de um acontecimento estupendo, cidadãos:
A abolição da escravatura no Brasil.
Neste momento, do alto desta tribuna, onde se tem derramado em ondas de inspiração, o verbo vigoroso e másculo de diversos outros oradores, eu vou tentar vibrar nas vossas almas cidadãos, no fundo de vossos corações, brasileiros, os grandes sentimentos emanados da abolição; eu vou apelar para vossas mães, para vossos filhos, para vossas esposas.
A abolição, a grande obra do progresso é uma torrente que se despenca; não há mais pôr-lhe embaraços à sua carreira vertiginosa.
As consciências compenetram-se dos seus altos deveres e caminham pela vereda da luz, pela vereda da Liberdade, igualdade e fraternidade, essa trilogia enorme, pregada pelo filósofo do Cristianismo e ampliada pelo autor dos Châtiments, o velho Hugo.
Já é tempo cidadãos, de impunharmos o archote incendiário das revoluções da ideia e lançarmos a luz onde houver treva, o riso onde houver pranto a abundância onde houver fome.
Basta de gargalhadas!
Este século se tem rido muito e se o riso é um cáustico para a dor física, é um veneno para a dor moral e o séclulo o ri-se à porta da dor, ri-se como um Voltaire, ri-se como um Polichinello. O riso, cidadãos, torna-se a síntese de todos os tempos.
Mas, há ocasiões que se observam as palavras da escritura:
Quem com ferro fere com ferro será ferido.
E então, o riso, esse riso secular que zombou da lágrima, levanta-se à favor dela e por seu turno cancanêa, vinga-se também.
É aí que desaparecem na noite da história os Carlos I e Luiz XVI, as Maria Antonieta e Rainha Isabel, é aí que desaparece o cetro, para dar lugar à república, a única forma de governo compatível com a dignidade humana, na frase de Assis Brasil, no seu belo livro – República Federal.
(Continua)
Cruz e Sousa
CRUZ E SOUZA. Abolicionismo. O Moleque, Desterro, p. 2, 19/10/1885, anno I, n. 43. Biblioteca Pública de Santa Catarina.