Em janeiro de 1851 foi inaugurado o prédio do primeiro Mercado Público de Desterro, no alinhamento da Rua do Príncipe (atual Conselheiro Mafra), na parte de baixo do Largo da Matriz, junto ao mar. No mesmo Largo localizavam-se o Palácio do Governo, a Igreja Matriz e a Câmara Municipal. A Praça do Mercado, como era chamada, era um prédio retangular térreo, com portas nos quatro lados, que davam acesso ao espaço onde os vendedores alugavam 12 “casinhas”, ou boxes, nos nichos cobertos. O aluguel das casinhas era proibido aos escravos, que, no entanto, podiam trabalhar como quitandeiros e quitandeiras nos vãos entre as colunas do Mercado, de dois a dois, pagando imposto para isso. Homens e mulheres, fossem escravos ou libertos, espalhavam-se pelo Largo e pelas ruas de Desterro desempenhando a função de pombeiros, ou seja, revendendo produtos comprados diretamente dos produtores. Francisco Pombeiro, Luiz Congo, Maria Mina, Anna Mina, Linôa Mina e Luiza Cabinda, entre outros, deixaram seus nomes para a posteridade nos livros de registro de impostos da Câmara Municipal, revelando a importância da presença africana neste espaço central da cidade e na distribuição de gêneros na Ilha até meados da segunda metade do século XIX. A presença das mulheres Esperança Cabinda, Josefa Caçange e Zeferida Calabá, tanto na função de quitandeiras como de pombeiras, era significativa neste espaço que era de relativa autonomia para elas, e que podia possibilitar acúmulo de pecúlio para a compra da alforria. A segunda metade do século XIX, entretanto, foi marcada pelas disputas em torno da ocupação dessa região, em nome do embelezamento e saneamento do Largo da Matriz, e a presença de africanos e seus descendentes em algumas dessas funções diminuiu. A primeira ala do outro mercado foi inaugurada em fevereiro de 1899, na Rua Conselheiro Mafra, mais adiante, e o Mercado Velho, como era chamado, foi demolido mais tarde, naquele mesmo ano. No Largo – que tomou o nome de Praça XV de Novembro em homenagem à Proclamação da República –, plantaram-se árvores, e no local do antigo mercado ergueu-se a estátua do Coronel Fernando Machado, oficial morto durante a Guerra do Paraguai, que ainda hoje pode ser vista ali. As obras e o ajardinamento apagaram os vestígios materiais do antigo mercado e da presença de trabalhadores africanos na circulação de gêneros, significativa até o fim do século XIX.
ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS. Livros da receita e despesa da Câmara Municipal (1840-1890).
______. Acervo do cartório Kotzias de Florianópolis – 1º. e 2º. Ofícios da cidade do Desterro (1829-1888).
______. Livros de Registro de Ofícios da Câmara Municipal.
BRÜGGEMANN, Joseph. Mercado do Desterro, 1867. Litografia sobre papel. Acervo: Ylmar Corrêa Neto.
POPINIGIS, Fabiane. Africanos e descendentes na história do primeiro mercado público de Desterro. In: MAMIGONIAN, Beatriz Gallotti; VIDAL, Joseane Zimmermann (Org.). História Diversa: africanos e afrodescendentes na Ilha de Santa Catarina. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2013. p. 151-175.