Na Capital vivíamos sempre, eu e o Carlos, em casa do Timóteo Maia, um rapaz
moreno, filho de uma velha crioula conhecida por Maria das Velas.
Ali líamos e fazíamos versos e muitas vezes aí dormíamos na mais viva alegria de
boêmios reduzidos pelas idéias de Álvaro de Azevedo, pois tínhamos sempre entre as mãos e diante dos olhos a "Noite na Taverna", e alguns versos de Fagundes Varela, escritos ao calor das orgias noturnas, quando o álcool subia à cabeça desses menestréis das glórias que jamais se apagaram. O Timóteo também escrevia versos, principalmente modinhas e recitativos, que eram por ele mesmo cantados ao seu violão, o instrumento de sua predileção, o qual tão bem sabia expressar a alma... desse rapaz ignorante, mas muito cheio de tendências poéticas e bondades acariciadoras. Possuía um coração bondoso, o Timóteo, sempre espontâneo em nos
dar os seus carinhos, quiçá a sua caridade.
Comíamos à sua mesa, e éramos ajudados com o dinheiro que ganhava com o seu
trabalho de alfaiate.
E quanto ternos de cassineta ele nos fez de graça!
Amigo do seu violão, em cujas cordas o seu espírito se expandia com emoções, ei-lo
igualmente amigo nosso, sentindo-se bem com a nossa companhia e as expansões do nosso entusiasmo literário.
Em sua casa, numa mesa ao lado da sala, forrada de pano verde, sob um dossel no qual se encontrava uma enorme lira de madeira, de pé de ouro e prata, foi que o querido poeta Cruz e Sousa escreveu os seus "Violões que choram", lindíssimos versos.
Cruz e Sousa amava-o com extremado carinho, com elevada simpatia, não deixando
de freqüentar a casinha sombria da rua João Pinto, onde encontrava, muitas vezes, um bom café com roscas de polvilho ou uma feijoada à moda da Maria das Velas, que era uma exímia cozinheira.
Também ele, o Cruz e Sousa, metia-se nas nossas troças noturnas, acompanhando-nos nas serenatas pelas ruas da cidade, ou, por ser mais poético, pelas praias do "Menino Deus", da "Prainha" e de "José Mendes", quando o luar se estendia como um óleo transparente e chamalotava os escuro das árvores e a planície cor de cimento do mar talhado entre as montanhas distantes.
(…)
Nas paredes da sala dessa viam-se, em pequenos quadros, guarnecidos de bandeiras
nacionais, as fotografias de todos os nossos poetas queridos, achando-se à frente, sobre a porta principal, uma bandeira branca, como símbolo da paz que ali existia.
Era um cenáculo aquela sala, de cuja porta, ao fundo, aparecia, às vezes, para nos fazer sossegar, a figura de ametista da Maria das Velas.
A casa onde Timóteo Maia morava com sua mãe, Maria das Velas, uma senhora negra, na Rua Augusta, no bairro da Pedreira, era um dos principais lugares onde se reuniam os poetas e literatos de Desterro, dentre eles Cruz e Sousa, Virgílio Várzea, Araújo Figueiredo, Santos Lostada, Oscar Rosas e, inclusive, o então presidente da província Francisco Luís da Gama Rosa. Todos eles pertenciam ao grupo autointitulado Ideia Nova, e discutiam as correntes filosóficas vigentes na época, como o evolucionismo, o racionalismo e as ideias liberais, além de defenderem causas como a democracia, a república e a abolição. [Atual: Rua João Pinto, localização desconhecida]
FIGUEREDO, Juvêncio de Araújo. No Caminho do Destino. In: CARNEIRO, Carlos da Silveira. Enciclopédia de Santa Catarina. Florianópolis. v. 20. Coleção especial de obras raras da Biblioteca Central da Universidade Federal de Santa Catarina.
SOUZA, Luiz Alberto. A Cor e a Forma: História e Literatura na Obra do Jovem Cruz e Sousa (1861 - 1888). Dissertação, UFSC, 2012.
ESPÍNDOLA, Elizabete Maria. Cruz e Sousa: Modernidade e mobilidade social nas duas últimas décadas do século XIX. 2006. Dissertação (Mestrado) - Departamento de Programa de Estudos Pós-graduados em História, PUC, São Paulo, 2006.