A juventude de Cruz e Sousa em Desterro se deu num período de profundas transformações no Brasil e no Atlântico. A escravidão africana vinha perdendo legitimidade e sofrendo restrições em outros territórios, enquanto no Brasil, a classe senhorial resistia às pressões, respaldada pela alta lucratividade do café, que era, na segunda metade do século XIX, o principal produto de exportação brasileiro e, consequentemente, a principal fonte de recursos para o Estado. Desde a proibição do tráfico de escravos, em virtude do tratado Anglo-Brasileiro de 1826 e da Lei de 7 de novembro de 1831, mas especialmente após a Lei Eusébio de Queirós, as economias regionais tiveram que se adaptar ao aumento do custo dos escravos, ainda tidos como mão de obra preferencial em vários setores de atividade.
No litoral de Santa Catarina, desde as últimas décadas do século XVIII florescia uma economia de produção de alimentos que integrava a região à economia do Centro-Sul. Farinha de mandioca, açúcar, aguardente, milho, feijão provinham de pequenas e médias unidades agrícolas, em que a mão de obra combinava a força de trabalho dos membros da família e de pessoas escravizadas. Atividades urbanas também empregavam pessoas escravizadas e davam oportunidade de acumulação de renda.
No começo do século XIX, havia, em Desterro, um grupo crescente de libertos e pessoas livres de origem africana. Frequentemente trabalhavam lado a lado com escravos, como marinheiros, estivadores, pedreiros, serventes, vendedores, carregadores ou lavadeiras. Enquanto no período colonial os libertos e pessoas livres de origem africana encontravam espaço na hierarquia da sociedade, no século XIX, os africanos passaram a ser considerados estrangeiros, e os nascidos no Brasil, apesar de gozarem de plenos direitos civis, enfrentavam cada vez mais discriminação. Manifestações de racismo eram tanto mais frequentes e virulentas quanto fossem evidentes as manifestações de autonomia, mérito e postura crítica dos sujeitos de origem africana.
Quando a Guerra do Paraguai acabou, em 1870, o menino João da Cruz e Sousa tinha nove anos. O Brasil enfrentava transformações que viriam a afetar suavida. O debate sobre o fim da escravidão já se dava em um país em que a população liberta crescia e um número importante de pessoas escravizadas eram realocadas, pelo comércio inter-regional e interprovincial, para longe de onde tinham feito laços e constituído famílias. Jovem atento, Cruz e Sousa certamente sabia da atuação do comerciante de escravos Vitorino de Menezes, que comprava preferencialmente rapazes fortes e saudáveis para revender nas fazendas de café do Rio de Janeiro ou da região de Campinas. João talvez conhecesse alguns desses jovens ou soubesse deles através dos irmãos do Rosário, igreja que sua mãe frequentava.
Sua aparência cultivada, garantida por trajes elegantes que lhe custavam muito do que ganhava, além de sua desenvoltura com língua e manejo dos códigos da chamada “boa sociedade”, certamente o distinguiam entre as pessoas de origem africana. Mas também o tornavam alvo de ataques. Seu amigo Araújo Figueiredo relatou anos depois que Carolina se preocupava que João fosse visto como alguém que desafiava “os brancos”. Nas últimas décadas do século XIX, as chances de reconhecimento e a ascensão social para alguém como Cruz e Sousa se tornavam mais limitadas em todas as regiões do Atlântico onde houve escravidão.